Zilda
Arns foi uma pessoa que marcou a vida de muitas pessoas. Muitas delas ainda
bebês foram salvas por mãos amigas que operam verdadeiros milagres nas vidas do
próximo a cada dia. Nos anos em que vivi em Angola, conheci algumas dessas
pessoas e me envolvi com atividades das Pastorais da Criança e da Família.
Sempre achei fantásticas as oportunidades de interação humana nesses projetos
de responsabilidade social, ainda mais na África, que tinha todo um toque
cultural nas explosões de cores, de emoções e de fatos pitorescos que merecem
ser contados nas milhares de fotografias que conservo carinhosamente arquivadas. Isso
tudo sem falar naquela misteriosa atmosfera de curiosidade recíproca que
marcavam cada oportunidade de encontros, palestras, atendimentos e mesmo em
situações informais de pura confraternização.
Naquele
ano de 2010 encontraria a dra Zilda em Angola. Já a conhecia em terras
brasileiras, mas em Luanda não estivemos juntos. O destino decretou a sua
convocação celestial frustrando uma aguardada agenda, enfim, a areia do tempo esvaiu-se
precocemente nas ampulhetas de sua vida. E que vida!
O que
me motivou reativar esse blog foi um misto de acontecimentos recentes. Num
deles, fiquei surpreso ao visitar o Memorial Zilda Arns em Curitiba e fiquei
petrificado diante de uma foto dela segurando a pequena Clara em seus braços. Eu
tenho guardada uma camiseta idêntica a aquela e espero que em breve ele faça
parte do acervo do Memorial. Na verdade, aquela camiseta também tem uma
história, que a conheço bem porque fiz parte dela. A Clara visitou a minha casa
em Luanda, na companhia das irmãs Joceli e Isabel. Era um bebê lindo, com uma
história absolutamente incrível. Indo para o epílogo sem desmerecer o prólogo e
o logos, ela acabou sendo adotada legalmente por um casal de médicos italianos
que prestavam serviços voluntários em Angola. Eles se apaixonaram por aquele
sorriso que hoje tem 8 anos de idade e que ri à toa em terras italianas. A Clara
faz judô, inglês, toca bateria, vai à escola, enfim, faz tudo aquilo que uma
criança deveria ter: uma infância feliz.
Quando
levada para as irmãs da Pastoral por crianças de rua, numa situação de abandono,
a menina contava com dois meses de idade e pesava um quilo e meio. Ficou um mês no
hospital. A mãe da Clara, por surpreendente que pareça, a visitou algumas
vezes, mas sem a intenção de tê-la sob seus cuidados maternos novamente. Ela sofria
com o alcoolismo e sua saúde ficou comprometida seriamente depois de contrair
HIV e de apanhar uma devastadora tuberculose. A mãe da pequena Clara faleceu há
cerca de dois anos.
Missa em memória da dra Zilda em Angola
No dia
13 de março de 2010 fizemos uma missa em homenagem póstuma à dra Zilda, na
igreja Sagrada Família em Luanda. Na época
escrevi um post nesse blog, com o título "Missa em memória da dra Zilda
Arns em Luanda". As camisetas verdes e brancas das pessoas participantes possuem
a foto dela segurando a pequena Clara.
Esta é uma das tantas histórias de transformação que ouvi e vivi em Angola, terra
que muito me ensinou e ensina até hoje. Tia Zilda, assim ficou registrado o sentido da palavra amor na
memória ainda desprovida da fala de um bebê chamado Clara. Amor este que ficou como lição para inspirar as nossas intenções e as nossas ações.
*Fernando Botto é psicólogo, advogado e escritor.
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